sexta-feira, 19 de outubro de 2012

rua (in)ventada

centro de vitória/cidade alta


esta noite inventei uma rua.
caminhava sobre ela como quem entende de fazer ruas.
projetei seu calçamento, curva, desalinhamento e desníveis.
era uma pequena rua. quase um beco.
instalei alguma luz para não ficar completamente abandonada e nem escura.
alguns cachorros e gatos para que nela habitem e nos protejam da inanição humana.
pela manhã funcionam uma padaria, uma mercearia, um açougue, alfaiataria. banca de jornal. cadeiras avulsas.
quase no final da tardinha, com as luzes acendendo, aparece a rua em sua mais graciosa dimensão.
a rua à noite ganha de invenção por ser ela mesma o reduto de toda imaginação.
funde-se entre estranhos e amigos, amores e paixões, beijos e blefes, mudas e canções.
a rua inventada logo fica mais habitada/entupida/entornada. muito bem conversada, por sinal.
são seus outros moradores que lá habitam fazendo circos e círculos com os gestos dos mais finos e sinceros, pois aquela rua exige, como passaporte, a sinceridade.
não a sinceridade tola dos moralistas das altas salas da burocracia dos sentimentos.
mas a sinceridade radical, quase veneno na ponta da faca de quem dela se estoca no fio da beleza.
a rua encontrada: argamassa do encontro.
inventei essa rua pra quem sabe também poder cair sobre ela e me abraçar em suas saias e morder suas ancas, fazendo-a a primeira Capitu.
inventei de ser também dela um dos seus enamorados, já que o amor e a paixão têm muitas pretensões e pretendentes.
mas não se engane dela por ser toda pública e não pudica, pois não aceita qualquer um que lá chegue para se alimentar de seus pés e se entreter com seus dentes. (ou mesmo desenhá-los)
invento da rua ter pés, pois são neles que ela dança e projeta para si outras ruas irmãs que sejam também habitadas e sorteadas dentre outras criaturas que lhes façam amar no gosto de quem tem por elas um lugar para não temer do seu tempo de criação.

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