quarta-feira, 20 de março de 2013

d. Ruth

a primeira lembrança que tenho de você é  na cozinha ao receber os amigos do seu neto Jean. mulher que nos anos 30 e 40, se não me engano, já trabalhava antes mesmo da mulher ganhar à rua para afrontar o mundo masculino. casada com seu Humberto, fez da vida essa guinada de se fazer e se entender por conta própria. ambos foram torturados nos anos de chumbo, que alguns teimam em desconhecer ao falar do que não sabem. foi professora de música e acompanhou o seu Humberto pelas tramas da música clássica e da ópera. lembro do chopp que gostava de beber e do bife acebolado com fritas que servia ao neto. noveleira e leitora, também ia avante pelos direitos dos meninos e meninas lá no antigo condomínio Juiz Pedro Namorado, para que tivéssemos mais áreas de lazer. foi das primeira pessoas que ouvi propalar algum tipo de pensamento de esquerda que deve também ter aprendido com os filhos. o mundo sempre foi outro - era o agora. co-pilotava a velha belina que nos levava a muitos lugares de infância que trago comigo com a força necessária para continuar. sempre perguntando por mim se eu ainda morava em Curitiba. das últimas vezes que nos vimos, a voracidade da idade já te perambulava, mas ainda se via menina ao brincar com as perguntas que fazias pra mim, e ria. sempre caminhadeira, e te vendo de relance pela janela da d. Edmeia, você de um lado para o outro com a bolsa debaixo do braço. sempre exigente e sempre esperta para o mundo que acontecia a nossa volta. acordava no meio da noite, quando Jean e eu, ouvíamos ou falávamos alto, pedindo para baixar o tom da conversa ou do som que acabávamos de descobrir. filei muita bóia dos teus almoços e lanches que preparava no aninhamento à nossa gula. lembro da alegria de te ver, já idosa e na condição de avó, sentada com minha mãe bebendo e conversando junto à mesa. também aprendi com vocês da qualidade de uma mesa. agora, eu aqui, celebrando tua presença mais que a ausência que o teu cansaço te fez levar.  mas não foi apenas ali que viveu. continuas aqui, como tantos que já são e que um dia também serão.

2 comentários:

Unknown disse...

Lindo,Gil. Bela homenagem. E assim, lá se vão todos os nossos queridos, que fizeram do nosso mundo, um mundo um pouquinho melhor.Que Deus a receba de braços abertos e que nós, que vamos ficando, possamos saber continuar, e quem sabe, levando um pouco dessa sabedoria!

Gil Maulin disse...

sim, saibamos levar! bóra...